A Fonoaudiologia é a ciência que estuda a comunicação e seus distúrbios. Surge a partir da década de 40 dentro das escolas de educação básica.
Na tentativa de tratar crianças que não conseguiam aprender mesmo com reforço escolar, alguns professores aprofundaram-se no estudo da linguagem, sua origem, construção e tratamento. Era a primeira vez em nosso país que pesquisas relacionadas à comunicação escrita eram realizadas. Porém, estes “professores especializados” só seriam regulamentados como Fonoaudiólogos a partir de 1976 (como tecnólogos) e em 1981, como graduação em nível superior, oficializada em território nacional. Por este histórico tão intimamente ligado ao universo escolar e infantil, é que até hoje a imagem do fonoaudiólogo é de um profissional que “trata de crianças que falam errado”. Mas, de que maneira a Fonoaudiologia pode contribuir para a população idosa?
A atuação do fonoaudiólogo junto aos idosos pode ser dividida em quatro vertentes: três relacionadas a comunicação - audição, linguagem/fala e voz – e outra referente aos aspectos da deglutição. Neste momento, trataremos das três vertentes ligadas a comunicação.
1-) Audição
Atua no diagnóstico da presbiacusia (diminuição da audição decorrente do envelhecimento) e de outros problemas auditivos, através de exames como a audiometria tonal e impedanciometria. Realiza também exames do sistema vestibular como o teste otoneurológico, que investiga a causa de tonturas e zumbidos. Outra importante atuação é na indicação e adaptação de aparelhos auditivos, chamados de aparelhos de amplificação sonora individual (AASI). Com a evolução da tecnologia, os aparelhos digitais não só ficaram menores como também mais eficientes. Entretanto, a indicação e adaptação cuidadosas são essenciais para o sucesso e o bom uso do aparelho. Simplesmente comprá-lo sem o acompanhamento fonoaudiológico cuidadoso é garantia de que problemas e incômodos ocorrerão, muitas vezes levando o idoso a deixar de utilizá-lo.
Ainda mais recente, é a indicação de implantes cocleares para idosos. Isso ocorre quando a perda auditiva é profunda e não responde aos aparelhos. Ainda realizado em menor escala e geralmente em universidades médicas, este implante consiste na colocação cirúrgica de um dispositivo eletrônico no órgão da audição. Este dispositivo simula a função das células ciliadas lesadas produzindo um estímulo elétrico para o nervo auditivo, fazendo que o idoso identifique o som. Pesquisas nacionais e internacionais têm demonstrado bons resultados após este procedimento. Apesar de já existirem políticas públicas de saúde auditiva que facilitam o diagnóstico e até a doação de aparelhos auditivos, ainda são poucos idosos que procuram os serviços médicos para tratar estes problemas. Isto se deve provavelmente ao fato de muitas pessoas considerarem que a surdez é normal no envelhecimento e não há o que possa ser feito. Desta forma, o melhor acesso a saúde pública e campanhas de conscientização podem melhorar significativamente sua interação do idoso com seu ambiente, melhorando atividades cotidianas, o convívio familiar e o lazer.
2-) Fala e Linguagem
Os problemas relacionados à fala e a linguagem são os mais lembrados pela população em geral ao pensar na atuação da Fonoaudiologia na terceira idade. Ocorrem devido a um quadro neurológico focal, como um acidente vascular encefálico (derrame) ou um traumatismo crânio-encefálico (após queda ou acidente), ou associados a quadros degenerativos como as demências, (a de Alzheimer, por exemplo) e a doença de Parkinson. Estes transtornos podem variar de acordo com a extensão e localização da lesão neurológica e também com o avançar da doença. Alguns idosos podem apresentar problemas leves como articulação e entonação imprecisas até comprometimentos sérios como a troca de uma palavra por outra, deficiência na elaboração e na compreensão de frases ditas ou escritas, repetição sistemática da mesma sentença fora do contexto do diálogo e ausência parcial ou total da fala. Utilizando um exemplo bastante ilustrativo, podemos considerar que cada um de nós guarda em seu cérebro uma grande biblioteca. Desde bebê até o momento que você lê este texto, esta “biblioteca” está sendo construída dia a dia através de suas experiências de vida. Você armazena todas estas informações e as utiliza quando necessita. Quando há uma doença neurológica focal (como o derrame ou o traumatismo craniano) um grande vendaval ocorre em sua biblioteca: informações são perdidas, outras vão parar em outro lugar, tudo se desorganiza.
Nas doenças degenerativas, as informações embaralham-se aos poucos e acabam se perdendo com a evolução do quadro, tornando a biblioteca praticamente vazia. Muitos profissionais desencorajavam seus pacientes a realizaram tratamento fonoaudiológico nestes casos. Isto porque, acreditava-se que uma vez lesada uma região, tudo o que nela constava se apagaria para sempre. Hoje, sabe-se que o cérebro apresenta certa plasticidade e que responde aos estímulos terapêuticos mesmo após uma lesão. Através de atividades específicas realizadas de acordo com a necessidade e a dificuldade de cada paciente, ativam-se novas conexões cerebrais e tenta-se restabelecer outras que já existiram. De forma figurada, novos livros são comprados para a biblioteca do paciente e ao mesmo tempo que se organizam as informações que lá estavam antes da doença. Assim, recomenda-se uma avaliação fonoaudiológica sempre que se percebam alterações na fala e na comunicação do paciente idoso. Somente o fonoaudiólogo será capaz de verificar a necessidade e a viabilidade da terapia para aquele doente. As atividades que exercitam a fala e linguagem, geralmente apresentam caráter interativo, ou seja, o paciente participa ativamente de todo o processo de reabilitação. Desta maneira, podem ser realizadas também por idosos saudáveis, individualmente ou em grupo, como em faculdades e centros de terceira idade, prevenindo problemas de comunicação e melhorando sua qualidade de vida.
3-) Voz
Pense em um ator interpretando um idoso. Você conseguirá visualizar uma série de características que marcam esta fase da vida. Roupas antigas, coluna vertebral arqueada para frente e tremores na movimentação são alguns destes trejeitos. Mas, o que sem dúvida não faltará é a voz idosa. O envelhecimento natural da voz humana é chamado de presbifonia. Ocorre de modo paralelo com o declínio de outras funções do organismo, por isso, é universal e inerente ao indivíduo. O início, desenvolvimento e grau de deterioração vocal dependem de cada indivíduo, de sua saúde física e psicológica e de sua história de vida; além de fatores constitucionais, raciais, hereditários, alimentares, sociais e ambientais, bem como, de seu estilo de vida. Exemplificando: um fumante provavelmente terá a voz mais envelhecida do que uma pessoa que nunca fumou enquanto um cantor de ópera, que sempre treinou sua voz terá apresentará menor grau de deterioração. São estes fatores individuais que determinarão uma presbifonia mais intensa.
A voz do idoso apresenta as seguintes características:
- Soprosidade, aspereza e algumas vezes tremor;
- Semelhança da voz de homens e mulheres. Vozes masculinas tornam-se mais agudas e as femininas mais graves, prejudicando a identificação pessoal através do sexo;
- Volume vocal reduzido e presença de frases curtas devido à respiração mais superficial; Fala monótona. Verificamos ausência dos extremos da escala vocal, prejudicando a ênfase e a “emoção” da voz. Por isso, muitas vezes o ouvinte perde o interesse no que o idoso está contando.
Entretanto, o mais curioso é que o aspecto subjetivo da presbifonia é que se destaca. É o que chamamos de imagem vocal. Estudos demonstram que ao ouvirem diversos tipos de voz, adultos jovens classificaram com desagradáveis vozes idosas piorando o conceito quanto maior era idade do participante, mesmo sem conhecer a idade dos mesmos. Esta imagem pejorativa imprime uma outra imagem a personalidade do idoso, imagem a qual ele não se reconhece , geralmente relacionada a senilidade.
Entretanto, há maneiras de melhorarmos a qualidade da voz no envelhecimento através de exercícios vocais, sempre prescritos e orientados pelo fonoaudiólogo e através de orientações relacionadas a bons hábitos vocais.
Algumas atitudes comuns interferem significativamente na saúde de sua voz:
O tabagismo acarreta na parada da movimentação ciliar de todo tecido que reveste o sistema respiratório, acumulando secreção nas pregas vocais, o que resulta no aparecimento do pigarro e da tosse. A presença de tosse e pigarro constantes, devido ao fumo ou por outra causa como o refluxo gastro-esofágico, pode facilitar o aparecimento de alterações nas pregas vocais. Isto porque, quando tossimos ou pigarreamos as pregas vocais realizam sucessivas oclusões fortes e vigorosas para retirar a secreção acumulada, gerando grande atrito, irritação e descamação local. Já o álcool apresenta relativa propriedade anestésica, podendo causar perda da sensibilidade em pregas vocais. Esta perda gera diminuição da resposta para dor e por conseqüência, o abuso vocal,O sujeito fará um esforço excessivo para falar sem se dar conta que o realiza. A ingestão de gelados provoca uma descarga excessiva de muco nas pregas vocais, semelhante a um sistema de defesa contra o choque térmico de mudança de temperatura. Este muco em grande quantidade é uma das principais causas do pigarro. A baixa ingestão de água e o consumo de leite e derivados antes do uso prolongado da voz são hábitos que interferem negativamente no desempenho vocal. Ambos modificam a viscosidade natural encontrada nas pregas vocais, podendo prejudicando a produção da voz. O excessivo ruído ambiental e as dificuldades de audição podem acarretar em esforço excessivo da voz, pois o idoso eleva automaticamente o volume da fala para que possa se escutar.
Considerações finais:
Ao longo deste texto, fica bastante claro que as alterações de audição, fala, linguagem, e voz trazem prejuízos importantes a vida do idoso.
Contudo, por qual motivo estes problemas são tão pouco identificados nos serviços de saúde?
Muitos profissionais da área da saúde, como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e outros que trabalham com idosos desconhecem a atuação do Fonoaudiologia no envelhecimento, pela falta do Fonoaudiólogo nos serviços de saúde para terceira idade, mas principalmente por falta de informação.
Desconhecendo tudo isso que relatamos, desconhecem fundamentalmente o papel da comunicação para a qualidade de vida destas pessoas.
A comunicação é o meio de contato do indivíduo com o mundo. É através dela que suas queixas e opiniões são colocadas e reconhecidas. A fala configura-se como o instrumento mais comum de manter o ser humano integrado a sociedade. Comunicar-se, portanto, é inerente ao ser humano, sendo um dos principais aspectos que o caracterizam como tal. Desta forma, qualquer dificuldade que prejudique o bom desempenho comunicativo do indivíduo, como as alterações vocais, auditiva, de linguagem e fala, poderão interferir em sua integração social, dentro e fora do contexto familiar, gerando isolamento e depressão. Assim, para reconhecer um problema é essencial que os profissionais, e porque não a população de forma geral, tenham o conhecimento das formas de identificar, tratar e prevenir estas alterações. O desconhecimento nivela estes problemas ao patamar do senso comum, do que se julgava normal há cinqüenta anos, quando as pessoas raramente alcançavam os setenta anos. Não há normalidade em tentar ouvir e não escutar, em tentar falar e sua voz não sair, em tentar se comunicar com sua família e com o mundo e não conseguir.
Portanto, para profissionais e para a comunidade, o conhecimento é a peça chave da área da boa saúde. Conhecer para encaminhar. Encaminhar para tratar. Tratar para recuperar. Conhecer para prevenir. Prevenir para manter a saúde. Tratar e prevenir para garantir, sobretudo, qualidade de vida.